Como a chegada de um barco português ao arquipélago do Japão há quatro séculos esteve na origem de uma das mais importantes coleções de arte japonesa do mundo.
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Biombo namban (pormenor) - Escola de Kano (selo de Kano Naizen), cerca de 1606 Museu Nacional de Arte Antiga
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Corria o ano de 1972 e um jovem casal americano tinha acabado de visitar uma exposição no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque. Como é habitual nestas ocasiões, decidiram parar na loja do museu para comprar uma recordação. A escolha recaiu sobre um poster de dois dólares que reproduzia uma das peças do museu: um biombo japonês de inícios do século XVII decorado com pinturas que representam um barco português a chegar ao Japão, bem como a interação da tripulação com os habitantes locais – um exemplo típico da chamada arte namban.
Namban, que significa “bárbaros do sul”, foi a expressão que os japoneses usaram para designar os navegadores portugueses quando primeiramente os viram chegar à ilha de Tanegashima, por volta de 1543. Este primeiro contacto com o Japão foi acidental, uma vez que a embarcação portuguesa fora empurrada por uma tempestade. Não obstante, os marinheiros portugueses chegavam vindos do sul, o que motivou o epíteto. A partir de então, foram recorrentes as trocas comerciais entre portugueses e japoneses, mas a chegada dos barcos e dos seus singulares ocupantes, com fisionomias, vestes e modos tão diferentes dos seus, suscitaram sempre grande interesse entre os locais e não tardou muito a que começassem a ser representados em objetos sumptuários destinados às casas dos grandes senhores, particularmente numa das mais icónicas peças do mobiliário japonês: os biombos.
O mesmo fascínio que os japoneses sentiram não deixou de ser exercido, centenas de anos mais tarde, sobre o nosso jovem casal. Robert e Betsy Feinberg ficaram de tal modo intrigados com a vivacidade e o exotismo da peça que traziam, reproduzida, para casa, que em breve sentiram vontade de levar para casa peças japonesas, mas verdadeiras. Tinha sido espoletada uma paixão pela arte japonesa que, mais de quatro décadas volvidas, com muitas viagens ao Japão pelo meio, resulta numa das melhores coleções do mundo de arte japonesa, sobretudo no que respeita ao período Edo (1615–1868). A coleção Feinberg compreende atualmente cerca de 500 obras de arte, onde avulta a pintura sobre diferentes tipos de suporte - biombos, pergaminhos, portas de correr, leques – bem como livros decorados com xilogravuras e peças de escultura.
O Lago Biwa nas Quatro Estações - Nukina Kaioku, 1834
Metropolitan Museum of Art (doação de Robert e Betsy Feinberg)
A coleção já tem entretanto um destino final. Os Feinberg decidiram doá-la ao Museu da Universidade de Harvard, assegurando que as peças possam ser emprestadas para exposições em todo o mundo, particularmente nas cidades do Japão de onde são originárias. Numa entrevista dada em 2020, Robert Feinberg, que se formou em engenharia química precisamente em Harvard, deixou uma última reflexão sobre o destino das peças. Ele conta que apesar de o museu se situar mesmo ao lado dos laboratórios onde costumava ter aulas, nunca tinha encontrado, nos seus tempos de estudante, uma razão para o visitar. Com a doação, o casal espera inspirar nos estudantes a mesma paixão que começaram a sentir naquela longínqua visita de 1972.